07 junho 2017

Demónios


Tenho uma doença. Nunca o admiti tão claramente como o estou a fazer agora. Tenho uma doença algures em mim, que me distorce a realidade e me impede de ser totalmente plena. Mais do que a minha casca imperfeita, contra a qual luto há quase 18 anos, e com a qual já devia ter aprendido a viver por esta altura, tenho em mim um demónio interno, que me puxa e me pisa e me magoa.

Ontem vi-o. Pela primeira vez, vi-o. Ali, sem mais, à minha frente reflectido no espelho, reflectido em mim.

Olho-me ao espelho e detesto-o. Ao demónio, a mim, à casca... queria que ele me deixasse em paz, que parasse de me matar aos bocadinhos. Pisco os olhos por um segundo e o mundo gira. Já não há demónio. Em vez disso vejo-me a mim, sem demónio, com outra casca.... esta casca não me parece tão má assim! Pisco de novo e o demónio regressa. Não suporto mais viver assim, com a visão distorcida, sem saber o que é real. Que casca é a minha? Preciso da verdade, preciso de me encontrar. Preciso que o espelho pare de torcer e distorcer de cada vez que me encaro.

Tenho uma doença. Nunca o admiti tão claramente como o estou a fazer agora. Tenho uma doença e não sei como lidar com ela. Não sei como lidar comigo.

Imagem: fresco do Solar dos Zagalos (Sobreda)

5 comentários:

  1. Mata esse demónio e vive em paz. Tu és giríssima, enorme, enormemente gira.

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    1. É dificil ser enorme numa cultura de gente baixa. Devia mudar-me para o norte da europa. Não fosse o frio...

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  2. Estas palavras podiam ter sido escritas por mim e por tantas, tantas outras pessoas. Esta doença afecta tantas pessoas e tão próximas de nós... e todas "escondem". Não de propósito (bom, algumas sim), mas é daquele tipo de assuntos que nunca vêm à baila. E, francamente, se viessem, seriam na verdade uma conversa a evitar. Afinal, quem quer falar dos seus demónios quando pode ignorar e viver «normalmente» e lidar com eles em silêncio??
    No meu caso, depois de dois ou três psicólogos que eram excelentes profissionais mas com os quais só aprendi a controlar melhor a doença - não a curá-la -, a minha salvação foi esta senhora: https://www.facebook.com/renise.peraro
    Fiz consultas online durante 6 meses e apesar dos dois primeiros meses terem sido puro sofrimento, hoje sou uma pessoa nova. Ainda com baixa auto-estima, ainda insegura em alguns aspectos/situações, mas nada comparado com aquela vontade de não sair da cama e chorar compulsivamente sozinha. A minha vida mudou. Qualquer dúvida estou disponível :) (e não, não ganho à comissão, estou só eternamente grata a quem ma recomendou ;) )
    Beijinhos e as melhoras **

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    1. Era tão mais fácil se simplesmente pudessemos ver-nos pelos olhos dos outros.

      Experimentei durante uns tempos o acompanhamento psicológico, mas ainda saía de lá pior. Refugiei-me na dança, na escrita e sei lá mais em quê. Mas de vez em quando tenho momentos em que bato no fundo outra vez.

      Beijinho

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    2. Terapia, ao contrario de medicação, não serve para nos sentirmos melhor no imediato. A medicação deixa-nos dormentes em relação à dor. Terapia faz com que a sintamos com mais consciência. E isso é duro, sim. É preciso ter muita vontade de querer melhorar..

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